Não direi:
Que o silêncio me sufoca e
amordaça.
Calado estou, calado
ficarei,
Pois que a língua que falo
é de outra raça.
Palavras consumidas se
acumulam,
Se represam, cisterna de
águas mortas,
Ácidas mágoas em limos
transformadas,
Vaza de fundo em que há
raízes tortas.
Não direi:
Que nem sequer o esforço de
as dizer merecem,
Palavras que não digam
quanto sei
Neste retiro em que me não
conhecem.
Nem só lodos se arrastam,
nem só lamas,
Nem só animais bóiam,
mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos
se entrelaçam
No negro poço de onde sobem
dedos.
Só direi,
Crispadamente recolhido e
mudo,
Que quem se cala quando me
calei
Não poderá morrer sem dizer
tudo.
José Saramago
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