Eu sei que tem gente que vive, considerando a vida, um grande passeio.
Visita lugares, pessoas, e só permanece, enquanto tudo parece estar bem.
Eu
sei que tem gente que vive, considerando a vida, um palco. Vai, da
tragédia à comédia, num só ato, e, quando não há holofotes, nem
aplausos, chora Shakespeare.
Eu sei que tem gente que vive,
considerando a vida, um “Indiana Jones” modernizado. Busca os caminhos
mais difíceis, e recusa o que faz bem.
Eu sei que tem gente que vive,
considerando a vida, um picadeiro. Torna-se palhaço de pequenos e
variados públicos, fazendo piadas de todos, sem nunca ter um só alguém
no camarim.
Eu sei que tem gente que vive, considerando a vida, um
grande suplício. Acorda, e permanece sem dormir, de mau humor,
destilando azedume, por onde passa, com quem convive.
Eu sei que tem
gente que vive, considerando a vida, um grande aprendizado. Concentra o
olhar em tudo que pode apreender e aprender, chegando irritar as pessoas
próximas.
Eu sei que tem gente que vive, considerando a vida, uma
novela. Passa a vida inteira, achando que pode começar, terminar,
recomeçar, o que quer, quando quer, independente do outro, dos outros.
Eu
sei que tem gente que vive, considerando a vida, um cemitério de
“pobres vítimas da natureza”. Por isso, nada faz – não acerta, nem erra
-, e ainda reclama da vida que tem (“Ó vida! Ó céus!”).
Eu sei que
tem gente que vive, considerando a vida, um termo conhecidíssimo: “soy
contra”. Não importa contra o quê, ou quem – sente necessidade de
discordar, sempre, mesmo sem argumentação.
Eu sei que tem gente que
vive, considerando a vida, uma grande fuga de si mesmo. No começo, se
embriaga, se droga, e, depois, já não precisa mais de estímulos
externos: foge sozinho.
Eu sei que tem gente que vive assim, e de
todo jeito. Mas não é sobre essa gente que quero escrever – eu, que me
sinto no direito de escrever sobre o que penso, pois também faço parte
dessa gente.
O que quero escrever, agora, é que eu sei também que tem
gente que vive, considerando a vida, um grande ringue. Feito eu, você
também deve conhecer várias pessoas que, “a troco de nada”, saem na
porrada – física, ou verbal. Enquanto a criatura 'desabafa', o alvo
silencia, tentando descobrir os motivos da violência toda. Motivos -
sempre há, para todo tipo de interpretação. E o que, antes, era ambiente
de convívio, torna-se um ringue – a casa foi atingida por um raio
fulminante, e não há o que salvar, para onde correr.
Como diz um
amigo, “nem vou entrar, aqui, no metro da questã”. Já não me importam os
motivos que levam alguém a tornar a vida, um constante ringue. O que eu
estranho é que nunca vejo quem está habituado a bater lutando com quem
está habituado a bater também. O que observo é alguém agredindo –
física, ou verbalmente, ou “ambas as duas” coisas – alguém que, quase
sempre, não revida (pode ser que, infelizmente, esteja habituado a
apanhar). São zonas de conforto diferentes – parece. Se ambos lutassem
(espancassem), no ringue da vida, criado de um momento para outro,
talvez, “do caos, surgissem as estrelas” (né, Nietzsche?). Realmente,
não sei. Tanto quanto posso, fujo desses embates – profissional, e, mais
ainda, pessoalmente. Não temo só o outro – temo a mim mesma, que, em
momento de desequilíbrio, desconheço o pior de mim.
Mas é preciso que
estejamos – todos – preparados para o ringue da vida, “a qualquer
momento, em edição extraordinária”. Se não criamos, participamos da luta
do ringue (sem recebermos convite prévio), e não há como fugir do olhar
fulminado pelo ódio do outro. Fazer o quê? Não sei – realmente, não
sei, não sei tanto, que nem sei o que pensar, para saber menos ainda. É
bom sabermos, isso sim, que qualquer coisa que dissermos, manifestarmos,
será usada, com toda certeza, contra nós – às vezes, o choro causa mais
porrada.
Ainda assim, eu não enxergo, no ringue, o cruel torturador e
a pobre vítima indefesa. Na minha visão estrábica, são dois seres
humanos que fazem, a cada respiração, escolhas de vida.
Lembro de frases
que li, há muito tempo, sem guardar autoria: “Pessoas feridas ferem
pessoas. Cada um dá o que tem. Você faz suas escolhas, e suas escolhas
fazem você”.
E só.
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