domingo, 21 de agosto de 2011

NOITE DE INSÔNIA

É curioso como pensamos coisas estranhas numa noite de insônia. Estranho como lembramos de gente ausente e que aparecem de repente na solidão de nossas madrugadas. Minha insônia está começando... E não adianta contar carneirinhos. Tenho de enfrentar e tentar levar numa boa, pois algo deve ter acontecido que meu inconsciente resolveu contestar e tirar uma de bacana: acabar com meu sono.

Estou lembrando de uma conhecida que morou na minha rua há mais de dez anos. Quando seu marido aposentou-se, ela entrou em depressão. O homem passou a ser o dono do lar, a fiscalizar a cozinha, banheiros, forrar latas de lixo, fazer o rancho e dar ordens à faxineira. E a mulher ficou no vazio: não sabia mais o que fazer, o que administrar. Um dia chegou pra mim e disse: 'Ele implica até com o pano de prato!'

- Péra, explica!!!
- Pra ele, o pano de prato tem de ser dependurado pela ponta!!!

E veio à minha cabeça o grande número de separações que se dá neste período da vida. Os casamentos novos aguentam - segundo estatísticas - uma média de três anos; os casamentos mais antigos entram em crise quando um ou os dois se aposentam e passam a viver 24 horas juntos. E daí em diante minha noite foi pro brejo, minha mente andou por diversos lugares e situações.

Mas fiquei pensando no pano de prato dependurado pela ponta... Bem, senti o drama da mulher; fiquei pensando nessas pessoas que se aposentam e infernizam a vida dos outros. Não sei por que pensamos e nos envolvemos com os outros até nas nossas insônias. Depois de muito pensar, nos tantos porquês da vida, fiquei encucada: o que tenho eu a ver com a aposentadoria e com o pano de prato de um homem que mal conheço? Caramba!!

Na verdade, quisera eu ter esquecido da vizinha e dos seus problemas. Se fosse com filhos e marido, vá lá. Porém, vivemos num mundo em que as pessoas se entrelaçam e se enroscam: vizinhos, parentes, colegas de trabalho, conhecidos... Tudo como se fôssemos uma corrente - elos ligados uns aos outros. E só nos separamos quando um dos elos se rompe.

Uns palpitando na vida dos outros. Convenhamos, quem não gosta de saber um pouco da vida alheia? Você? Ahhh... fale a verdade, vá! Quem não gosta de saber de um caso meio apimentado que rola na mídia, no condomínio, na família do cônjuge, no trabalho?

Esqueço da coitada da vizinha e lembro de uma conhecida de 85 anos que só vejo nos velórios. Existem umas pessoas que a gente só vê uma vez na vida e outra na morte. No caso dela... Sempre nos velórios. Pinta um velório tá lá a véia feito um urubu, como aconteceu há três dias que encontrei a criatura toda arreganhada, demonstrando muitas saudades minhas. Mas já fiquei meio intrigada ao vê-la; é conhecida como pé frio, tanto que já enterrou metade da família e amigos.

De mansinho, foi se encostando em mim e disse bem baixinho:

- Faz uma cara de consternada, sofre um pouco, minha filhinha!
- Péra, mas eu mal conheço o defunto! Sofra você que é da família.
- Minha filha, estou fazendo teatro. Este aí já se ferrou mesmo!


Chega! Vi o bastante: altos soluços, caras e bocas, grandes abraços e consternados afagos. Na verdade, em qualquer velório todos procuram à cafeteria pra mudar de clima, pra respirar vida. Para falarem o quanto a fulana - lá do canto - despencou... Tirando pai, mãe, filhos e netos o resto é conversa pra bistrô regado a quitutes, já que nada vai mudar muito.

Pra falar mais a verdade, adoro histórias de família; quebra a monotonia do cotidiano e me permite estudar mais a fundo o comportamento de nossa sociedade, meio que naufragando num mar de lama. Sou um pouco chegada à psicanálise, ao estudo da mente humana e de suas manifestações.

Esta noite pensei muita coisa, mas fico por aqui, já é o suficiente.
O dia já está clareando.

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Amar talvez seja isso... Descobrir o que o outro fala mesmo quando ele não diz.

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"Cada dia é preciso realizar um pouco mais do que se deve." (Frei Anselmo) Essa página e para partilharmos poemas, fotos, histórias e lembranças. As histórias e lembranças aqui postadas nos mostra que dia após dia, hora após hora, minuto após minuto estamos escrevendo a nossa história. Escrevemos nossa história no coração das pessoas com as quais nos relacionamos, com as pessoas da nossa família, da vizinhança, com as pessoas amigas e companheiras de caminhada. Escrevemos nossa história nos lugares onde vivemos. Deixamos nossas marcas nas árvores que plantamos, nas casas onde estivemos, ali fica registrada a nossa história. De uma maneira ou de outra, sabemos que nossa história fica escrita. Mas fica uma questão: que tipo de história estamos escrevendo? Meu desejo aqui e escrever uma historia bonita. “uma história que ajude os outros a escrever a própria história.” Guilherme Santos

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