Et tuam ipsius animam pertransit gladius...São Luc., II, 35
I
Nossa Senhora vai... Céu de esperança
Coroando-lhe o perfil judaico e fino...
E um raio de ouro que lhe beija a trança
É como um grande esplendor divino.
O seu olhar, tão cheio de ondas, lança
Clarões longínquos de astro vespertino.
Sob a túnica azul uma alva Criança
Chora: é o vagido de Jesus Menino.
Entram no Templo. Um hino do Céu tomba.
Sobre eles paira o Espírito celeste
Na forma etérea de invisível Pomba.
Diz-lhe o velho Simeão: "Por uma Espada,
Já que Ele te foi dado e que O quiseste,
A Alma terás, Senhora, traspassada..."
II
Sofrer por Ele! E pálida, ofegante,
Nossa Senhora aperta-O contra o seio.
E nas linhas tranquilas do semblante
Descem-lhe nuvens de magoado anseio.
Sofrer por Quem! Ventura semelhante,
Só a um peito como o seu de estrelas cheio...
Sofrer por Esse que do Céu distante
Na voz do Arcanjo do Senhor lhe veio...
Que lhe importavam lágrimas sem brilho,
Nessas horas de paz erma e saudosa,
Se ela chorava por seu próprio Filho...
Sofrer pela amargura dessa Boca,
E aos Pés depor-lhe a vida desditosa,
Vida que eterna ainda seria pouca!
III
Que lhe importavam lágrimas? Chorasse
Desde o nascer do sol até o sol posto;
Tivesse prantos quando a lua nasce,
Quando, entre nuvens, ela esconde o rosto.
Junto ao seu Berço, a contemplar-lhe a Face,
De Mãe Divina no sublime posto,
Temendo que uma estrela O despertasse,
Gozo teria no maior desgosto.
Por Ele toda a mágoa sofreria...
Ah! corresse-lhe em fonte ardente o pranto
Na paz da noite e nos clarões do dia.
Sofrer por Ele... Sim. Tudo por Esse
A quem beijava os Olhos, mas contanto
Que Ele, o seu Filho amado, não sofresse!
V
Pudesse ela poupar-lhe o sofrimento,
Adivinhar-lhe as dores e os pesares,
Ter poeiras de astros para o mal sedento,
Ter bons olhares para os maus olhares...
De repente, num rútilo momento,
Na Alma surgiu-lhe uma visão de altares:
Era a grandeza do seu Nascimento
No Lar eleito em meio de outros lares...
Mas que fizera para tanta glória,
Sentir a Deus chamá-la Mãe querida,
Ela, mulher, como as demais corpórea?
E a aparição daquele Arcanjo etéreo,
Que lhe anunciara a nova prometida,
Engrinaldou-lhe a fronte de mistério...
VII
Em teu louvor, Senhora, estes meus versos,
E a minha Alma aos teus pés para cantar-te,
E os meus olhos mortais, em dor imersos,
Para seguir-lhe o vulto em toda a parte.
Tu que habitas os brancos universos,
Envolve-me de luz para adorar-te,
Pois evitando os corações perversos
Todo o meu ser para o teu seio parte.
Que é necessário para que eu resuma
As Sete Dores dos teus olhos calmos?
Fé, Esperança, Caridade, em suma.
Que me chegue em breve o passo derradeiro:
Oh! dá-me para o corpo os Sete Palmos,
Para a Alma, que não morre, o Céu inteiro!